Especial: Samira Close

Samira é uma personalidade do cenário gamer e da comunidade LGBTQIAP+ que foi pioneira e tornou-se um símbolo para os dois mundos. Em entrevista, Samira conta sua história, conquistas e planos.
Créditos da imagem: Tony Santos
Créditos da imagem: Tony Santos

Streamer e apresentadora, é indiscutível que Samira Close é uma referência. Além de ser a primeira drag queen brasileira a produzir conteúdos sobre games, Samira ganhou destaque pelo entretenimento que proporciona aos seus fãs e por lutar pela visibilidade LGBTQIAP+. 

Para a entrevista, Samira chegou sorridente e animada, a mesma pessoa contagiante que vemos em frente às câmeras, arrancando risos da equipe do The Move e estabelecendo uma conexão quase imediata. Foi muito rápido para todos se sentirem à vontade e felizes por estarem ali, e o carisma da entrevistada foi essencial para isso.

Começamos a contar a história exatamente pela origem de tudo: Samira se conectou com jogos eletrônicos quando ainda era criança, com apenas 6 anos de idade, e assim como muitas crianças brasileiras nascidas na primeira metade dos anos 1990, teve seu primeiro contato por meio de um Atari 2600. 

Créditos da imagem: Arquivo pessoal/Samira Close
Créditos da imagem: Arquivo pessoal/Samira Close

“Eu comecei a me apaixonar muito cedo por jogos eletrônicos no geral. E como eu não tinha acesso, porque eu sou de uma família humilde e crescemos com muita dificuldade, um videogame não era prioridade. Naquela época, inclusive, ter um videogame era uma coisa absurdamente cara, não é? E aí, não era nem um pouco acessível. Então, eu comecei jogando quando ia na casa de algum amiguinho, que assim, na periferia onde eu morava, era tipo, uma casa entre cem que tinha um videogame, aí fazia fila de criança na casa daquela pessoa para ficar lá jogando. E assim eu fui tendo mais contato até eu ter o primeiro acesso com o computador. Mas também cresci indo até a locadora e a gente alugava trinta minutos, uma hora, duas horas, para ficar jogando”.

Seu jogo favorito, que inclusive já zerou diversas vezes, é o Castlevania: Symphony of the Night, em que o player, com o personagem Alucard, possui como objetivo explorar o castelo de Drácula e derrotar o mestre dos vampiros no final. O porquê desse jogo? Samira explica: “eu sou meio emo, meio gótica, então eu adoro a estética do jogo, a história, porque tem toda uma construção ali, do Alucard ser o filho do Drácula e ter esse nome porque é Drácula de trás pra frente. Eu gosto muito de tudo, inclusive eu tenho uma tatuagem do Alucard [ela mostra a tatuagem na câmera]. Foi um jogo que eu me apeguei muito, porque eu gosto muito de história, magia e de vampiro. Além de ter elementos do meu estilo de jogo preferido, que é RPG”.

Alucard de Castlevania: Symphony of the Night. Créditos da imagem: Konami
Alucard de Castlevania: Symphony of the Night. Créditos da imagem: Konami

Samira também nos contou sobre como foi a passagem de ser uma pessoa que gosta de jogos e que utilizava isso apenas como diversão, para alguém que trabalha com isso e faz streams: “tem muita coisa na minha vida que não foi planejada de fato. Obviamente que depois que eu entendo o que está acontecendo, eu planejo para que as coisas continuem com uma funcionalidade, de uma forma orgânica e organizada. Então por exemplo, eu sempre joguei muito League of Legends e naquela época o jogo estava muito em alta e eu conheci algumas pessoas que me apresentaram o serviço de livestream, que até então eu não consumia. Até que eu comecei a jogar com uma pessoa que fazia live e a minha voz saía na transmissão e o pessoal dava muita gargalhada, porque eu sempre fui muito brincalhão e o pessoal da live falava: ‘nossa, quem é essa pessoa que tá falando com você? Que pessoa engraçada! Por que você não abre live?’”. Assim, com o incentivo do público e de sua amiga, Samira decidiu começar a streamar. Na época, Samira conciliava as lives com seu trabalho em um banco, trabalhava até o final da tarde e no período noturno fazia as lives.

Mas de início, Samira Close ainda não era a drag queen que todos nós conhecemos: “quando eu comecei, nunca tinha me montado e nunca tinha pensado em me montar de drag, não estava nos meus planos. Eu sempre me montava muito, mas era porque desde muito novo eu me vestia de emo e saía, aquela coisa toda, era quase uma montação, só faltava peruca na cabeça. Eu e meus amigos quando jogávamos, a gente usava nomes que não eram necessariamente os nossos, sabe? Então a gente achava um nome interessante e a gente usava esse nome, e era um grupinho de amigos, cada um tinha um nome. E aí, uma das pessoas que estavam com a gente usava o nome Samira Close.”

Créditos da imagem: Arquivo pessoal/Samira Close
Créditos da imagem: Arquivo pessoal/Samira Close

“E a gente trocava sempre de nome, não era um nome fixo, mas a gente trocava. Já tive vários nomes, aquelas coisas de brincadeira, sabe? ‘Aí hoje eu vou me chamar Ruiva Gamer, amanhã eu vou me chamar de Pâmela, aí depois eu me chamo de Bianca’, aquelas brincadeiras de viado. E aí, até que eu tinha um nome, e aí esse nome era bem grande, era Latrinda Barbarelli. Era bem grande, aí eu falei ‘eu preciso de um nome um pouco mais curto pra usar’, porque eu acho que fica melhor na cabeça das pessoas pra eu criar o canal na Twitch, não é? E aí, uma das pessoas tinha esse nome, Samira Close, e ela me autorizou, falou que poderia usar sem problema nenhum. Todo mundo apoiou, todo mundo falou ‘então é isso, vai’. Foi.” 

“No começo era, de fato, uma brincadeira, porque assim, a gente não tinha parâmetro de onde ia chegar, eu jamais imaginei onde ia chegar. Meu sonho naquela época era ganhar uma grana e pagar energia, pagar internet, então pra mim, era maravilhoso o que estava acontecendo”.
Samira Close

“E aí, foi quando eu comecei a fazer Samira Close. Só que eu fazia desmontada, eu só colocava os óculos e falava, ‘vamos jogar’. E aí o pessoal falava, ‘Samira Close? Mas a gente clica, é um menino’. Aí as pessoas começaram a comentar, ‘por que você não se monta de drag? Por que você não coloca uma peruca ou um batom?’ Aí, naquela época, eu não conhecia ninguém que fizesse. E aí eu falei, ‘ah, se vocês me derem cem reais, eu faço’. Aí eu peguei esses cem reais, fui no centro da cidade, comprei uma peruca de plástico toda acabada, vi um tutorial de como fazer maquiagem, comprei umas maquiagens velhas... Aí eu sei que eu me maquiei, coloquei uma roupa da minha mãe, a roupa dela é muito longa, quase morri de calor, menina, fiz uma presepada. Aí eu peguei, me montei, fiz aquela coisa toda, fui lá e aí fiz a live”.

Porém, a recepção nem sempre foi a melhor possível. Samira era uma pioneira. Não era comum ver a arte drag queen representada no meio gamer. Como ela bem aponta, “o mundo gamer não foi construído, nem produzido para grupos minoritários”. E assim, ela encarou a hostilidade com que algumas pessoas a receberam.

“Algumas pessoas grandes naquela época começaram a me notar. E as coisas foram indo. E junto com coisas maravilhosas, graças a Deus. Mas veio também hate demais, ameaças de morte. Eu vou te dizer que, hoje em dia, talvez eu me sinta mais confortável. Mas é que a gente, de uma forma muito imperceptível, às vezes se encontra dentro de uma bolha. A bolha faz a gente achar que aquilo ali é o mundo inteiro, e quando você tem que sair dali, você percebe que ainda não é aquilo que você estava acostumado.”

“Por que eu vou falar isso? Eu lembro que na minha live, quando eu comecei a pegar uns números bacanas, no começo tinha muito hate. Muito. Acho que era mais hater do que viewer. As pessoas xingando, a gente tinha que banir um monte de gente, tinha que silenciar muitas vezes, e eu aprendi a treinar a minha cabeça, meu olho, porque tem coisas absurdas, criminosas, sabe?”

“Eu fui me treinando muito, porque senão você não vai pra frente. Essa é a realidade. Senão você acaba absorvendo muita coisa que não é legal. E você simplesmente fala, ‘eu não preciso disso, eu acho que isso não é saudável e vou fazer outra coisa’. Então, pra mim, rolou uma virada de chave muito pessoal. Quando eu saí do Ceará e vim pra São Paulo, eu tinha duas alternativas: ou era fazer dar certo, ou fazer dar certo. Não tinha outra escolha, porque eu não tinha passagem de volta. Então, era dali pra rua”.

Créditos da imagem: Arquivo pessoal/Samira Close
Créditos da imagem: Arquivo pessoal/Samira Close

“Então, quando eu transformei isso dentro de mim, eu entendi que era o meu trabalho, aí eu falei ‘é agora, é o momento’. Aí eu vim pra São Paulo, morei na casa de uma amiga e fazia live, me montava todos os dias da semana. Tipo assim, eu sumi na frente do computador porque eu não saía. Eu fazia muitas e muitas horas de live pra conseguir pagar”.

Samira ainda contou sobre o choque de realidade que teve ao participar de seu primeiro evento voltado para o cenário gamer. “A primeira vez que eu fui na BGS, que é a Brasil Game Show, eu cheguei lá e eu não me senti pertencente. Eu senti, inclusive, excluído. Tipo: ‘o que é isso, o que que tá acontecendo, isso é um cosplay? isso é uma pessoa?’. Então assim, eu senti das pessoas mesmo e não necessariamente algo do tipo: ‘nossa, a gente odeia você explicitamente’, mas é que nem elas sabiam o que estava acontecendo. E quando eu falo isso eu não quero dizer ‘aí, coitadinha, ninguém tem acesso à informação’. Não é isso. É que pra elas, tanto faz ‘me informar sobre isso ou não’, porque é uma coisa que ‘não atravessa o meu dia a dia, não atravessa o meu mundo, não atravessa o que eu vivo’. Então pra elas não tinha necessidade nenhuma de se informar sobre uma coisa que elas não queriam saber”.

“Então eu acho que isso é a primeira mudança, quando eu comentei e apareci nos lugares públicos, mesmo vendo cara feia, sendo barrada em alguns lugares, pedindo roupa emprestada de amiga, peruca emprestada não sei de quem, parcelando passagem, vindo do interior pra cá e me montando na casa não sei de quem, me vestindo dentro do carro não sei de quem pra poder ir pro evento”.

“Então essas coisas talvez não me fizeram achar que eu pertencia, porque na minha cabeça eu já pertencia, mas me deram a sensação que pertencendo ou não pras pessoas eu sou a Samira Close, eu sei as coisas que eu faço e eu sei a potência que eu tenho, então pra mim isso é suficiente”.
Samira Close

A streamer é referência para a comunidade gamer e LGBTQIAP+ não só por quebrar diversas barreiras, mas também por ser inspiração. Graças à Samira, outras pessoas também se sentem pertencentes a este espaço. Entretanto, Samira diz que não gosta de pensar assim e explica o porquê: “eu acho que a gente como ser humano tem uma facilidade muito grande de ser tomada pelo ego. Então quando você se vê nesse lugar de tipo assim, ‘ai eu sou a pioneira’, a gente brinca com isso, eu brinco com isso o tempo inteiro, que eu sou a Pedro Álvares Cabral [risos], então tipo, eu brinco com isso o tempo inteiro, mas eu sempre tento trazer pra mim que eu sou só mais uma pessoa construindo uma coisa que é muito maior que eu, sabe? O fato de ter essa participação, de estar lá no início, ter feito aquilo tudo, eu fico muito feliz porque hoje isso, sem dúvidas, influenciou, isso abriu porta pras pessoas, e se não abriu porta diretamente pra elas, fomentou um comércio que até onde eu lembro nem existia no sentido de: eu não via quando eu ia num evento, por exemplo na BGS, um monte de drag”.

“É uma coisa que não é só sobre mim, não é uma coisa que só eu construí. Se hoje tem mais drag queens, por exemplo, espalhadas pelo Brasil, fazendo coisas na luz do dia, seja em eventos, cantando, casamento, fazendo shows, a gente deve também a outras drag queens incríveis que a gente tem aqui, que também começaram muito dificilmente, de uma forma muito difícil, a gente tem Pabllo [Vittar], Glória [Groove] e várias outras drag queens”
Samira Close

“Obviamente que eu fico extremamente feliz. Até hoje eu só vi uma vez o vídeo da [participação na] The Game Awards [principal premiação da indústria de games], porque pra mim é muito inacreditável, sabe? É muito inacreditável você estar sendo exibido em um vídeo que seja de 30 segundos, 15 segundos, 1 minuto, seja o tempo que for, pra pessoas ali extremamente boas que você não consegue nem falar com elas direito, porque elas desenvolveram um jogo que você jogou a vida inteira. Então eu estar sentada do lado daquele pessoal, sabe? Sair de onde eu saí, percorrer a carreira que eu percorri, ter a oportunidade de estar me vendo no telão, pra mim foi muito emocionante. Então tipo assim, eu sei a importância que eu tenho, mas eu tenho certeza que essa importância faz parte de um todo”.

A streamer também citou sua família como referência na construção de seus valores pessoais: “eu falo nas referências que eu tive na minha casa, com a minha mãe, minha avó, minhas tias… Eu sempre fui rodeado por mulheres. As mulheres da minha família são muito empáticas, generosas e respeitosas, então, eu cresci assim. E eu falo que, tipo, eu vou dar pras pessoas o que eu tenho pra dar. Vou ser verdadeiro. Quando eu errar, vou errar, vou acertar, vou pedir desculpa, vou tentar melhorar, mas eu vou trazer essa transparência de um ser humano pras pessoas que estiverem me assistindo. Porque, às vezes, tem gente que acha que ser gay é só ‘ai, que engraçado, adoro’. Quando, na verdade, é um ser humano por trás, com pai, com mãe, ou sem pai, ou às vezes sem mãe, seja lá como for. Tem toda uma história de vida, toda uma vivência. Mas, no geral, as minhas referências são quem eu cresci vendo. Minha mãe, minhas tias, os humoristas do Ceará… a gente tem humoristas incríveis no Ceará, alguns que nos deixaram, como, por exemplo, a Raimundinha, mas a gente tem outros também que posso citar. Por exemplo: Nas Garras da Patrulha, a Aurineide Camurupim, a Picolina que também que nos deixou… enfim, o Ceará tá recheado de pessoas talentosas e humoristas incríveis, então essa referência é muito mais de onde eu vim, das coisas que eu vivi e trouxe pra cá”.

Créditos da imagem: Arquivo pessoal/Samira Close
Créditos da imagem: Arquivo pessoal/Samira Close

Assim, é fácil de entender por que Samira Close é inspiração para tanta gente: é uma pessoa autêntica e de alto astral, sempre lembrando e enaltecendo suas raízes e de onde veio. Com muita luta, conquistou e abriu espaço para que mais pessoas pudessem ser quem são não só no cenário gamer, mas também em outros lugares.

“O rolê do game para mim hoje, eu entendo que foi uma janela de acesso para que eu pudesse chegar nas pessoas. Então eu entendi que era a comunicação, que era tentar trazer alguma informação importante ou pelo menos plantar uma semente de ideia na cabeça de alguém que pudesse florescer com uma ideia mais aberta”.
Samira Close

Hoje, além de streamer, Samira é apresentadora. Ela falou para o The Move sobre seu projeto mais recente, o SuperPoc e seus planos futuros: “a gente está com um projeto maravilhoso agora que é o SuperPoc, que vem dessa necessidade de comunicação minha com os viewers, dessa vontade de comunicação que eu tenho com eles, da gente brincar sempre e de trazer muitos pontos de vistas diferentes, e a gente caminhou para um nicho de entrevistas. O SuperPoc é um projeto que não é novo, mas ele foi reformulado algumas vezes para que ele tenha o formato que ele tem hoje e é um formato maravilhoso no qual eu estou tendo a oportunidade de trabalhar mais esse meu lado de apresentadora. Porque como você viu, chegaram coisas na minha vida que eu nunca imaginei fazer, nunca. Tipo assim: ‘ai quero ser apresentadora’ e de repente eu me vi apresentando o Rock in Rio, o Lollapalooza, no Multishow. E aí é isso, eu já participei de vários programas, mas agora tenho o meu, que é o SuperPoc, que é toda sexta-feira às 20:00 horas, no meu canal e também no canal da Dia TV. A gente já fez quatro entrevistas, que foram maravilhosas e incríveis, onde eu estou tendo a oportunidade de conhecer artistas de outras bolhas que eu jamais imaginei conhecer e está sendo muito incrível. Eu estou muito feliz, de verdade”. 

“E cara, eu tenho tanta coisa que eu quero fazer. E eu quero fazer de uma forma orgânica, sabe? Agora com 30 anos eu não estou cansada, eu quero fazer muitas coisas ainda. No sentido de: eu quero fazer música ainda, eu quero trabalhar com arte, eu quero trabalhar com tudo aquilo que está me movendo, que for me deixando me sentir vivo”.

Créditos da imagem: Camila Marzano Jorge
Créditos da imagem: Camila Marzano Jorge

Foi uma conversa muito prazerosa e importante que tivemos com Samira, em que ela nos contou toda sua trajetória de vida e fez com que toda a equipe a admirasse ainda mais. E esperamos que esse sentimento tenha sido transmitido para você que está lendo.

“Eu quero mandar um beijo pra todo mundo que me assiste e que está lendo. Como eu falei e repito, eu fico muito feliz com a possibilidade de estar aqui dando entrevista pro The Move. Fico feliz com as entrevistas que eu dou, com a possibilidade que eu tenho de falar e ressaltando, eu acho que ainda é uma coisa a se construir, a gente tá fortalecendo esse lugar e que mais pessoas possam passar por essa entrevista, que mais pessoas possam alcançar lugares incríveis, maravilhosos e de sucesso, pra gente ter várias referências. O que eu quero mais é que esse mercado, essa ideia, esse lugar, seja ampliado e que a gente possa ter um espaço saudável, bacana e gostoso de trabalhar e criar junto. Então um beijo pra todo mundo”.

Um beijo, Samira!

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