Especial: Olga Rodrigues

O The Move entrevistou e contou um pouco da história de Olga Rodrigues, ex-jogadora da FURIA e atualmente na HSG.
Créditos da imagem: Arquivo pessoal/Olga Rodrigues
Créditos da imagem: Arquivo pessoal/Olga Rodrigues

Existem pessoas que transcendem as suas profissões. Elas foram capazes de se tornar símbolos e de representar muito mais do que uma organização ou uma torcida: elas representam um momento, uma ideia, um movimento.

Como surgem essas pessoas? Talvez seja do perfil delas sempre quebrar barreiras e se superar. A história de uma brasileira que ganha a vida jogando Counter-Strike na Malásia já seria algo incomum e curioso o suficiente para chamar a atenção, mas no caso de Olga Rodrigues, vai muito além disso: o The Move se propôs o desafio de contar um pouco da trajetória da Olga, e cada parte da conversa trouxe um novo ponto extraordinário de sua história.

Créditos da imagem: Arquivo pessoal/Olga Rodrigues
Créditos da imagem: Arquivo pessoal/Olga Rodrigues

Chegar a ser uma atleta de alto rendimento já é um grande desafio por si só, e os títulos e premiações individuais não deixam dúvidas de que Olga chegou lá. Você pode também já imaginar o quanto ela foi corajosa por enfrentar questões de gênero de forma pioneira em um meio ainda tomado por preconceitos. Porém, quando nos aprofundamos em sua história, existem outros pontos que ficam em segundo plano que sugerem que ela foi destinada a ter coisas singulares em sua vida. Desde o nascimento, talvez - você sabia por exemplo que Olga é uma dentre quadrigêmeos?

Você sabia que em um meio tomado por pessoas mais novas, Olga segue firme como jogadora aos 30 anos? Ou mesmo que em uma etapa da vida ela já trabalhou com malabares? Ou, veja só, que Olga não é uma entusiasta de games, ela é uma entusiasta especificamente de Counter-Strike: "Até para me divertir eu jogo muito pouco outros jogos, quase nunca, mas pra divertir eu jogo CS mesmo. Ou eu não jogo, estou estressada com o CS e não quero ver o computador. Não vou nem ver o computador hoje, vou sair e fazer outra coisa," diz.

E de onde veio essa paixão toda pelo Counter-Strike em específico? Olga conta a história e dá créditos para seu primo Gabriel: "eu comecei muito cedo, quando eu tinha 10 anos. Criança, e era na febre das lan houses. Poucas pessoas tinham computador em casa. O meu primo mostrou para mim, ele já jogava. E eu ‘caramba, que jogo legal’. Eu era muito fã do meu primo. ‘Ele joga, eu quero jogar também com ele, vamos jogar’. Mas aí eu comecei a ficar viciada, todo fim de semana ia para a lan house. Aí em 2007 foi quando eu tive o primeiro computador em casa".

Créditos da imagem: Arquivo pessoal/Olga Rodrigues
Créditos da imagem: Arquivo pessoal/Olga Rodrigues

"Todos esses primeiros 4, 5 anos, foram parte do meu primeiro contato, então jogava mais pra me divertir assim. Eu não jogava muitas horas por dia. Eu sou quadrigêmeos, né, então sempre dividi esse PC com o meu irmão e com as minhas irmãs. Depois eu conheci o competitivo, que é 5 contra 5, tem o objetivo de plantar, defusar, mas foram cinco anos depois que eu comecei a jogar. Então foi muito tempo só treinando a mira, mas eu nunca tive em mente que eu queria competir. Quando foi em 2009, eu vi que a adrenalina é maior jogando, mas eu também não tinha muito tempo. Mas o meu primo viu que eu tinha um talento ali para a minha idade. E assim foi, ‘vou melhorar, vou fazer um timinho e jogar’. Mas era tipo, o pessoal ainda trabalhava e estudava, não era igual hoje".

O primo Gabriel estava certo: Olga era de fato um talento. Foram bons desempenhos em competições até 2011, mesmo que em uma escala muito embrionária perto do tamanho que os esports têm hoje.

Mas estamos falando de uma história incomum, então ela não seguiria o caminho usual de começar a jogar, jogar bem, ganhar competições e se profissionalizar como jogadora. Se você conhece a história do Counter-Strike, pode ter notado algo na data: estávamos entrando no período em que o CS 1.6 estava sendo substituído pelo Counter-Strike: Global Offensive.

"Aí o CS 1.6 morreu. Boom! Morreu. Em 2012 lançaram o CS:GO. Não rodava no meu PC e eu nem queria, eu odiei o jogo. [risos] Falei ‘que jogo é esse, cara? Não quero’. Foi aí que eu fiz a minha pausa, falei ‘ah, vou fazer outras coisas da minha vida’, e fiquei sem jogar CS, sem tocar em CS, por uns três, quatro anos quase. Aí estudei, estudei computação, TI, fiz curso técnico. Também, logo em 2011, 2012, estudei para o vestibular, para Biologia. Não passei. Aí eu, depois de uns anos, falei, ‘ainda bem que eu não passei’, porque não era uma coisa que eu ia seguir em frente. Aí cheguei a fazer um curso técnico, depois eu falei, pô, eu não sei exatamente o que eu quero. Eu vou então viajar, vou conhecer o Brasilzão. Aí fui viajar. Fui viajar pro sul, viajei pro Rio de Janeiro, viajei em São Paulo, nas praias de São Paulo... E fiquei viajando. E fiz o curso técnico”.

Essa etapa explica bastante o quanto Olga foi diversa em suas aventuras profissionais: “Já trabalhei com TI, consertando hardware ou fazendo assistência remota, mas por muito tempo eu trabalhei com malabares.”

“Eu era muito conectada às artes naquela época. Então eu fiz curso de circo e me apaixonei por malabares. E quando eu estava ali aprendendo, muitas pessoas que faziam malabares falaram 'pô, dá pra ganhar dinheiro com isso'. Aí o pessoal, tipo, fazia em farol na rua, e eu tinha um pouco de bloqueio de pedir dinheiro pros outros. Aí eu virei a chavinha, 'não, não é pedir dinheiro, é um trabalho artístico de rua, eu estou mostrando o meu trabalho, só colaboram se quiser'. Eu misturava malabares com 'clown', né? Que você se maquia, fazendo um personagem meio engraçado e tal. Então eu percebia que as pessoas também se divertiam com aquilo. Era uma troca”.

Após esse tempo, a pausa finalmente teve um fim: “No final de 2015, eu voltei a jogar CS:GO com os mesmos amigos que eu jogava no 1.6. Aí fiz um time também, e teve um dos primeiros campeonatos em LAN ali na MAX 5, que estava em reforma e não podia nem postar foto, porque só tinha mesa. Aí joguei, e fui jogando, né? Evoluindo dentro dos times que eu estava, conseguindo posições melhores, teammates melhores... Em 2016, quando eu entrei na Remo Brave, acho que foi um dos auges: no primeiro BGS que teve, a primeira edição, a gente foi jogar como underdog, não tinha nem salário, o único time sem salário nenhum ali no cenário, que estava ali participando. E a gente foi campeão. Assim, foi absurdo. Caramba, que da hora! E foi aí que 'virou a chavinha'”.

Vira a chave de um lado, mas na vida, no social, vira outra chave, né?
Olga Rodrigues

“Foi quando, ao mesmo tempo, nessa fase eu comecei a ter questões de gênero. Falei, ‘caramba, vai ser meio difícil aqui, né? Acho que vou dar uma pausa, vou focar na minha vida agora, na minha vida social e tal’. E fiquei afastada do CS por muito tempo, acho que um ano. Eu nem cheguei a falar pra ninguém que eu estava parando por conta disso, nem nada. E também, eu nem era ligada, conectada à rede social, não postava nada naquela época, não tinha Twitter, nada. Só jogava CS mesmo. Aí eu fiquei um ano afastada”.

“Lá para o final de 2017, voltei a acompanhar de novo, assistir e tal. E um dos times femininos, acho que era a NumberSix na época, me chamou pra ser coach. E eu, até então, nunca tinha ganho salário. Então por mais que tinha 'virado a chavinha', 'beleza, posso competir', mas eu nunca tinha tido essa oportunidade ainda”.

“Aí eu entrei como coach. E, ainda assim, até então, nunca tinha me visto conseguindo viver disso e focar nisso. Era um sonho. 'Vou batalhar para viver disso um dia'. Mas não posso simplesmente largar tudo, né? Aí, minha transição de coach para jogadora foi quando estava na BK ainda e fizeram duas mudanças na line e não tinha campeonato feminino para jogar ainda. Mas eu acabei completando no campeonato aberto. Aí do jeito como me senti, percebi que 'eu quero jogar, não quero ser coach'”.

Créditos da imagem: Arquivo pessoal/Olga Rodrigues
Créditos da imagem: Arquivo pessoal/Olga Rodrigues

“Só que, ao mesmo tempo, eu tinha um certo receio de como o cenário ia ver aquilo. Caramba, primeira jogadora trans, nunca teve isso. E eu sei que eu já tinha ganhado título e que esse passado ia afetar muito o julgamento das pessoas. Mas, para mim, por mais que hoje eu falo que não é algo para que você tem que ligar, na época eu ligava muito para a opinião das meninas, do cenário, porque eu já estava jogando com elas, contra elas. E como elas sempre me apoiavam por ser quem eu era, falei ‘pô, espero que não vá ter problema’. Eu tive todo o suporte delas na época. Foi isso; 'bora aí, só vamos'. Aí, beleza, sou jogadora, estou pronta para a guerra! Eu sabia que ia vir guerra, e não deu outra. Quando foi divulgado que ‘Olga vai virar jogadora’ e não sei o quê, boom, teve toda aquela polêmica”.

“Eu sei que muita gente na época que foi contra, mudou de mentalidade, entendeu? Então, muitos vieram para mim depois se desculpar, falar que foi por minha conta que hoje o cenário mudou, em relação a aceitar pessoas... Não é aceitar, não tem que ser... É isso que eu falo: não tem que ser aceita, é nosso direito de estar ali.”

É direito de qualquer menina, de qualquer pessoa estar dentro do jogo, do competitivo, e se a gente tem cenários inclusivos, que sejam inclusivos de verdade
Olga Rodrigues

“Então, passei por isso. Foi uma barra e tal, mas aquilo só me fez mais forte. Eu percebi que para cada pessoa que falava ser contra, não apoiava, que não tinha direito disso ou daquilo, tinha outras 20 me apoiando. Então, eu me agarrei nessa proporção e é isso. Não vou desistir, não vou parar. Não importa o que falem, vou seguir meu sonho.”

E assim aconteceu: o sonho se tornou realidade. Dentre os momentos inesquecíveis para Olga, estão na época da Black Dragons o título do Athenas Challenge - 2021 [com vitória sobre a FURIA na final lower] e o período na FURIA de 2021 a 2023, onde conquistou títulos, idolatria e se consolidou na história da organização. Outro capítulo marcante para ela foi a vitória no Prêmio eSports Brasil 2022 como melhor jogadora de Counter-Strike.

Créditos da imagem: Arquivo pessoal/Olga Rodrigues
Créditos da imagem: Arquivo pessoal/Olga Rodrigues

Hoje na HSG e adaptada ao seu time e à vida na Malásia, Olga continua dedicada à carreira de jogadora: “Enquanto eu me sentir bem jogando e estiver contribuindo com meu time, vou continuar, não importa a idade”. Ela inclusive declara na entrevista que está ainda mais dedicada ao Counter-Strike e à sua preparação como atleta. Não seria surpreendente ver mais conquistas e superações vindas daquela que o destino parece ter escolhido para contar as histórias mais incríveis.

Olga é referência no cenário e inspira muitas meninas que, assim como ela, querem ser jogadoras, e comenta como se sente em relação a isso: “É uma felicidade, é difícil de descrever, porque eu sou uma pessoa que viro fã das outras muito fácilmente. E às vezes é bem difícil de aceitar que as pessoas são fãs de mim. Não porque eu não mereça, mas é tipo assim: ‘caramba, calma aí’. Claro que isso deu muitos frutos, abriu muitas portas, mas saber lidar, não é? Saber como ser ídolo de pessoas. Então é uma coisa que eu aprendo muito, traz muitas alegrias, muitos momentos, mas tem muito aprendizado”.

Créditos da imagem: Arquivo pessoal/Olga Rodrigues
Créditos da imagem: Arquivo pessoal/Olga Rodrigues

No final, Olga deixou um recado para as pessoas que a acompanham e se inspiram nela: “bom, é... só agradecer mesmo, porque desde que eu comecei nessa carreira longa aí, são essas pessoas que me dão motivação de continuar todo dia, de acordar, ir pro meu treino, focar… Porque ao mesmo tempo em que esse suporte me motiva, eu sei que, como referência, eu posso ser motivação para que elas conquistem coisas também, não é? Quando eu conquisto coisas eu mostro que, tipo assim, é uma troca. Vocês me apoiam e eu sou grata por todo esse apoio que vocês têm me dado”.

Tem gente que me apoia que nem faz parte, nem joga o jogo, que nem entende. Mas assim, acorda de manhã pra assistir um jogo que nem entende o que tá acontecendo, mas só pra me ver, sabe?
Olga Rodrigues
Créditos da imagem: Arquivo pessoal/Olga Rodrigues
Créditos da imagem: Arquivo pessoal/Olga Rodrigues

“Então eu fico assim: ‘caramba, vocês também se dedicam pra estarem aqui junto comigo’. Assim e... É uma coisa que eu, até quando estou meio pra baixo, quando eu leio mensagens de apoio, tipo ‘Olga, sorria, Olga tô feliz de ver você sorrir, ver você feliz me deixa feliz’. Então ver esse tipo de mensagem, cada uma com suas palavras, cada uma pensando de forma diferente, mas com o mesmo objetivo de me fazer me sentir bem, porque eles sabem que quando eu jogo, eu jogo alegre e eles conseguem ver quando eu estou alegre dentro do jogo, e isso é indescritível. Ter essa sensação dentro do jogo e ter essa sensação fora do jogo é o combo que todo profissional poderia pedir, sabe? Fazer o que você ama e seguir o sonho. Quando você vê pessoas te apoiando a seguir seu sonho, ser feliz, independente das suas escolhas, é a coisa mais gratificante da minha carreira. Tá aí a mais uma coisa que marcou minha carreira, é a Tropa da Olga, as pessoas que me apoiam. Com certeza esse amor, carinho e suporte são coisas inesquecíveis.”

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